segunda-feira, 6 de julho de 2009

100% Amor

100% Amor - Conto Escrito por Rafael Pinheiro


Prefácio

Durante séculos e séculos, pessoas e cientistas tentaram sem sucesso explicar o amor. Que sentimento é esse, de onde vem, como controlá-lo? Jamais puderam explicar por uma única razão, o amor não se encontra na ciência, nas rochas, ou num tubo de ensaio, o amor se encontra dentro de nós, aonde a medicina jamais irá chegar, num local de nosso corpo que nós mesmos desconhecemos e é por isso que o amor é algo tão difícil de se explicar, e mais difícil ainda de lidar com ele.

Sei que muitos de nós já falaram “eu te amo” sem saber se realmente amava, e que muitos ( a maioria) descobriu que não era amor, e sim uma paixão passageira, contudo, uma pessoa viveu, sangrou, lutou e morreu por um amor. Algo puro e verdadeiro, um sentimento que a maioria de nós jamais irá viver.

Capitulo 1

“Bom dia”, foram suas primeiras palavras comigo, não sabia de quem era, nem mesmo o que eu fazia ali, mas sua voz era tão doce que resolvi ficar mais um tempo, não estava disposto a lutar, já tinha esgotado toda a minha energia, e além do mais ele fora educado em me dizer:

- Bom dia Pedro Paulo, que bom que vieste.

Fiquei em silêncio, queria dizer tantas coisas, perguntar a ele como sabia meu nome, onde estava, e o que havia acontecido comigo, mas estava gostando de estar ali, foi como uma terapia para minha mente, eu apenas escutava. Fiquei agindo assim por aproximadamente meia hora, não me lembro ao certo, mas foi um tempo suficiente para me recordar de tudo.

Aquela pessoa que tentava conversar comigo, havia parado de falar, e nesse momento eu queria sair dali, não sabia ainda meu rumo, mas não queria estar aonde estava, queria voltar para o mar.

Foi quando mais uma vez a doce e encantadora voz me disse: “Pare, analise, recorde, e seja feliz, pois você venceu a maior das batalhas, mesmo sem saber”.

- Como assim, eu não fiz nada de mais.

- Então me conte sua vida, que só assim você saberá o que digo.

Mesmo achando ser algo sem valor, resolvi abrir minha vida para aquela figura diante de mim.

“Meu nome é Pedro Paulo, nasci em Brasília e com dois anos fui morar no Rio de Janeiro, minha família estava em busca de oportunidades, até parece piada, oportunidades, nós sempre a procuramos, mas era em vão, jamais encontramos tal.” Ia continuando a contar minha estória, foi quando percebi a importância que tinha o meu relato com o seguinte dizer:

- Vá até a parte em que começou a trabalhar como pescador.

Olhei para aquele locutor que tanto sabia da minha vida e mesmo assim queria que contasse para ele, e não reconhecia seu rosto, por mais que quisesse não era possível. Então, recomecei...

“Pois bem, meus pais não tinham muito dinheiro, e acabaram numa colônia de pescadores, meu pai aprendeu o oficio em pouco tempo, e acabei seguindo seus passos. Aos 12 anos já me aventurava no mar, enquanto ao estudo, eu sempre aprendia muito mais com a vida do que com livros. Lembro-me bem a minha primeira pesca em alto mar, a noite estava estrelada, e a nossa volta apenas o imenso oceano que nos cercava, a crise na pesca estava em seu auge, mas naquela noite pareceu que fomos abençoados, pois logo na primeira rede que jogamos pegamos o equivalente a quase uma semana de pesca, a partir dessa noite os pescadores me consideraram um amuleto, sempre que ia com eles voltávamos abarrotados.”

- Você achava que era por sua causa o aumento das pescas?

“ No começo sim, mas depois achei que era pura coincidência, pois houve umas duas vezes que fui com eles e o barco voltou vazio”.

- E o que eles disseram.

Falavam que eu não estava num dia de sorte, e que na próxima noite tudo seria diferente.

- E foi?

Geralmente sim, mas eu fui cansando, e passava o maior tempo na costa, não gostava mais da idéia de ir para o mar apenas como um amuleto, eles me protegiam demais, alguns até diziam que eu era filho de Iemanjá.

- Por isso largou a pesca?

Sim, eu não queria aquilo para a minha vida, eu sonhava grande, e queria ser importante, e não apenas um mero pescador. Foi então que com 16 anos sai de casa e não voltei.

- Você não pensou no sofrimento de seus pais?

Pensei, e muito, tinha horas que pensava em voltar, mas acreditava que o melhor era permanecer onde estava, afinal eu estava decidido, e só retornaria quando tivesse condições de tirar minha família de lá.

Comecei a trabalhar como engraxate, mas se na colônia a situação era ruim, lá era muito pior, fui dormir muitas noites com fome, e o que eu ganhava no final de um mês só pagava o aluguel do meu quarto e uns quinze dias de alimentação, o restante eu ia me virando enquanto podia.

Passei seis meses de minha vida nessa luta, até que arrumei um emprego numa loja como vendedor. No primeiro dia fui com uma calça jeans, e uma camisa cinza emprestada de um conhecido meu, o gerente da loja me explicou o funcionamento, e como eu deveria me portar e vender, começaria no dia seguinte, estava animado, mesmo sabendo que o emprego era temporário, assim que o natal acabasse eu iria ser demitido.

- Mas você não foi demitido, pelo contrário, ficou efetivo na loja onde trabalhava. Você sabe como conseguiu isso?

Empenho, força e vontade de aprender, no começo eu era descartado no estabelecimento, ninguém dava importância a mais um vendedor contratado temporariamente, mas uma semana depois eu era o que ganhava maior comissão, vendia como ninguém, e pude ter o prazer de viver dignamente.

- E por que razão, você mandava dinheiro para seu pai pelo correio, sabendo que poderia entregá-lo em mãos?

“Eu não queria vê-lo nas condições que ele se encontrava, não até poder tirá-lo dali, sentia medo e ao mesmo tempo vergonha de não poder estar ao seu lado. E acredito que esse era o maior incentivo para que eu batalhasse cada vez mais.”

“Quando fiz vinte anos já era gerente daquela mesma loja, eu criei vários métodos de venda e de marketing mesmo sem estudo. Voltava a minha fase de amuleto, mas dessa vez eu não só podia como tinha que agir para que tudo funcionasse bem.”

- E mesmo como gerente, não fora visitar seus pais um único dia sequer.

“Mas eu os ajudava e muito, quase a metade de meus Ganhos eu enviava para eles.”

- Mas eles queriam mais do que isso!

“Eu sei, e é por isso que eu lutava cada vez mais para poder tirá-los de lá.”

- Não, você não sabe, eles não queriam mais dinheiro, eles queriam você!

Aquelas palavras iam me deixando confuso, como poderia aquela pessoa saber tanto da minha vida, eu estava desconcertado, mas ao mesmo tempo queria esclarecer para ele que o que fiz foi certo.

“Mas eu também queria eles, mas não era o momento ainda, não era! Eu tinha muitas coisas para vencer ainda, e jamais abri mão de ajudá-los, jamais.”

- Mas o destino sempre pregando peças, lhe trás Lara Volmer.

Ao ouvir tal nome saindo da boca daquele estranho, estremeci, imaginei que algo de ruim poderia estar acontecendo com ela, e me levantei, estava disposto a sair dali, mas como se ele lesse meu pensamento, me acalmou com as seguintes palavras:

- Ela está bem, você deve Ter mil perguntas para me fazer, porém peço apenas que continue a sua estória, ao final saberá todas as respostas para suas perguntas.

- Como conhece Lara? – perguntei, mas logo em seguida continuei meu relato, afinal senti no ar que não obteria resposta nenhuma sem antes falar tudo que tinha que ser dito.

“Eu a conheci na própria loja, estava voltando de meu almoço, quando vi Lara discutindo com um de meus vendedores, ao invés de eu me interpor na discussão, passei direto por eles e fiquei no balcão, esperava que o vendedor resolvesse o problema, sendo ele qual fosse, porém em menos de dois minutos ele veio até mim, e me pediu ajuda. Disse que ela tinha comprado um blusão para seu pai, e que queria trocar, porém não tinha a nota e a camisa estava sem etiqueta. Me dirigi até Lara me apresentando, ela estava ainda muito nervosa e não queria conversa, queria sim uma solução.”

- E você resolveu essa situação magnificamente bem.

“Sim, eu peguei a camisa das mãos dela, e perguntei pelo que ela queria trocar, ela queria apenas dois números maiores, e foi o que fiz, troquei a camisa e ainda dei um cinto feminino para ela como desculpas pelo ocorrido. Ela parecia bem mais calma, e já dialogava comigo, elogiando a minha atitude, e que eu tinha muito a ensinar aos vendedores, apesar da minha pouca idade.”

- E quando começaram seus encontros?

Ao fazer essa pergunta, a pessoa que me ouvia, se levantou, uma outra pessoa sentou-se em seu lugar, e refez a pergunta:

- E quando começaram seus encontros?

Eu fiquei sem saber se podia confiar naquela nova pessoa tanto quanto eu confiava na que começou a me interrogar, porém eu não tinha nada a perder, queria apenas as respostas para as milhares de perguntas que me atormentavam naquele momento.

“Bem, eu deixei junto com o cinto que dei a ela meu cartão, e no dia seguinte recebi sua ligação, ela me ligou com o pretexto de mais uma vez elogiar a minha atitude, era o começo de uma longa conversa, que repetiria por várias noites seguintes, até que um dia quando estava me preparando para sair do trabalho ela apareceu, e estava linda, vestia uma dessas calças jeans modernas, com o cinto que eu havia lhe dado, e uma blusinha preta, seu olhar era bem diferente do que eu havia visto na primeira vez, ela realmente parecia de bem com a vida. Me dirigi até ela e perguntei o que desejava, ela sorriu, e me falou:

- Não precisa me tratar como cliente, me trate como amiga, e além do mais não quero nada além de te convidar para ir a um restaurante comigo.”

“Não preciso nem dizer que aceitei na hora, fui me trocar e seguimos até o restaurante que ficava a duas quadras da loja, ainda bem, pois eu não tinha carro para levá-la a outro lugar mais distante.”

“Ao sentar no restaurante, eu logo pedi uma garrafa de vinho, a mais cara do estabelecimento, sabia que com o meu ordenado não poderia fazer aquilo de novo, mas era um momento especial, e não quis economizar, queria que ela se impressionasse comigo.”

- Mas você não acha que se não tivesse impressionado ela anteriormente, ela não estaria ali com você.

“Sim, eu tinha consciência disso, mas a noite estava tão majestosa, que não queria me preocupar com o dinheiro.”

- Nem mesmo se tratando do dinheiro destinado aos seus pais?

“Mas o que eu tirei da parte deles foi o mínimo, eles não iriam reclamar por isso.”

- Mesmo você sabendo que poderia tirar mais da sua parte para manter o valor a eles destinados?

“Eu sei que errei.” Mas...

- Ninguém falou que você errou, você apenas fez o que achou o certo, e eu não recrimino você, você fez algo que poucos fariam, ainda mais se tratando dos seus pais, pessoas que sei que você daria a sua vida por eles.

Essas palavras me confortaram, achava que estava num interrogatório policial, mas logo vi que quem quer que estivesse ali, queria me ajudar a entender a minha própria vida.

“Eu dou a minha vida por eles”

- Mas continuando, e após esse jantar, vocês se beijaram, e começaram um namoro.

“Exatamente, e cada dia meu amor por ela era maior, ela ia quase todos os dia após meu expediente me visitar, até que assumimos nosso namoro. Porém a história de amor estava boa demais para ser verdade.

- O pai dela.

“O pai dela era dono de uma rede de supermercados, tinha muito dinheiro, e não aceitava a hipótese de sua filha estar namorando um simples gerente de vendas, de uma lojinha qualquer de roupas.”

- E o que fez para que o pai de Lara aceitasse o namoro?

“Me empenhei mais ainda, além de ajudar minha família tentava de tudo proporcionar um melhor convívio com a família dela.

- Foi então que tirou o dinheiro de sua poupança, e comprou para o pai de sua namorada um relógio de brilhantes cravado em ouro, o que lhe custou o seu carro.

“Mas não me arrependo, a partir desse dia ganhei respeito de sua família, e era tudo o que eu mais queria na vida, eu não podia imaginar viver sem ela, não podia ficar sem seu carinho, ou sem seu sorriso, isso seria pior do que a morte para mim.”

- Então quer dizer, que sua nova família te reconhecia como namorado de Lara Volmer.

“Por pouco tempo. A crise veio com tudo, muitas lojas fecharam, inclusive a minha, foi nesse momento que vi tudo o que eu tinha construído indo abaixo, estava sem rumo, não tinha mais condições de ajudar minha família, e nem de manter meu namoro com Lara, mas o nosso amor era tão grande, foi a única coisa que me fez manter o controle, o nosso amor.”

- Após isso, você tentou arrumar emprego, mas nenhum era a tua altura...

“Eu não podia voltar tudo o que eu tinha caminhado, não era justo!”

- Porém sua namorada conseguiu um emprego para você com o próprio pai, e você o que fez?

Eu fiquei muito indeciso, não gostava da idéia de Ter que trabalhar com meu futuro sogro, mas depois de algum tempo a situação foi ficando cada vez mais difícil, não me tendo outra escolha a não ser aceitar o emprego, sabe, eu já tinha feito tanto para ele me dar valor, e quando me vejo, estou eu pedindo um favor para trabalhar.

- Mas o que aconteceu depois você nunca se perdoou, mas eu vos digo, você jamais teve culpa.

- Como não?

- Conte-me os fatos e verás que tenho razão.

“Bem, eu estava trabalhando no supermercado, exercia uma função sem muita importância, eu apenas controlava o estoque, uma atividade que não me satisfazia, porém eu precisava sobreviver. Estava trabalhando a apenas vinte dias, quando o telefone toca. Sabe eu não imaginava que ao atender aquele telefonema o mundo fosse desabar mais uma vez. Eu nunca podia esperar tal fato, não com o meu próprio pai. Era minha mãe no telefone, e ela estava muito nervosa, imaginava tudo menos a notícia que ela tinha acabado de me dar, meu pai estava desaparecido no mar há três dias, eu me senti impotente, não encontrava outra solução a não ser ir até lá e procurar eu mesmo meu pai.

- Pare de chorar Pedro, acalme-se.

- Como me acalmar, eu não pude fazer nada, nada!

- Como não, pelo que sei você tomou a decisão mais correta a ser tomada. Continue e olhe por si só a verdade que vos digo.

Eu olhei mais uma vez para aquela pessoa e acreditei por um momento que era um amigo de meu pai, um pescador com seus sessenta anos, que junto com meu genitor me ensinou a arte de pescar, mas não tinha certeza, já me recordava vagamente o que teria ocorrido comigo, eu estava no mar, porém o que fazia ou o que aconteceu comigo ainda era um mistério para mim. Respirei fundo, e continuei a contar.

“Eu abandonei tudo que possuía, e retornei para a colônia, pedi à Lara que fosse comigo, e mais uma vez a decepção tomou conta de meu corpo, ela negou dizendo que jamais iria se adaptar ao lado de pescadores, chorei, chorei muito, mas minha mente e meu coração estava naquela hora em apenas uma pessoa, meu pai. Sai dali com a cabeça a mil, passei em casa, arrumei as minhas coisas e peguei um ônibus rumo ao meu passado, a tudo que um dia desejei fugir, e que naquele momento percebi que fora em vão.

- Nada nunca é em vão, cada coisa que realiza tem um propósito para acontecer.

A cada palavra dita por ele, eu percebia que quem quer que estivesse ali, tinha sempre respostas para tudo, e continuei.

“Ao chegar na colônia, minha mãe se encontrava aos prantos, e os pescadores estavam fazendo uma cerimônia em homenagem ao meu pai. Mas como, se nem ao menos tinham certeza de que estava morto. Eu me deixei agir pela emoção, entrei no primeiro barco que vi, e tentei sair ao mar, mas fui impedido por minha mãe, e por outros pescadores, que me disseram que estava vindo uma tempestade, e que seria loucura eu ir para o oceano.

- Mas apesar disso, Pedro, você não se conformou, fingiu que eles estavam certos, e foi para sua cabana, até a noite chegar. Você mentiu para todos...

“Eu não menti, eu só não queria...”

- Poupe suas desculpas, sabemos o que você pensava, e o que você queria, e por incrível que pareça, nos orgulhamos de você.

Nessa hora, fiquei ainda mais perplexo, quem eram aquelas pessoas para ter orgulho de mim? Por que isso estava acontecendo comigo? Tentei perguntar, mas as palavras não saiam de minha boca, não para questionar, só conseguia dizer o que talvez eles quisessem ouvir.

- Ficou calado Pedro, ou esqueceu o que fez naquela noite? Vou te ajudar, você saiu ...

“De barco, e fiz o que acho e continuo achando certo, fui em busca de meu pai. A noite estava estranha, os ventos levantavam a areia que batiam sobre meu corpo, e espetavam como agulhas, não me importei e entrei em qualquer traineira, dei partida e me dirigi para o oceano, afinal eu era filho de Iemanjá, e acreditava que nada iria acontecer comigo, apenas acreditava. As ondas estavam imensas, mas eu sabia o procedimento, deveria apenas manter os motores funcionando para ficar bem, mas eu não sabia para onde estava indo, nem aonde procurar, foi então que eu tive a idéia mais estúpida que qualquer outro homem poderia ter, eu desliguei os motores para ficar à deriva, e assim deixar que o mar me levasse ao meu pai. Após fazer isso, a primeira onda tentou me derrubar, a segunda já estava logo atrás, e sabia que se ficasse mais alguns segundo desprotegido, seria lançado na água. Entrei na cabine rapidamente e lacrei a porta, foi o mesmo tempo para sentir o barco virando e dando várias voltas sobre seu eixo. Pela primeira vez tive medo do mar, medo de que nunca mais viesse a ver minha mãe e Lara, até que em um solavanco que nem sei como aconteceu, bati minha cabeça e apaguei. Quando acordei a traineira não estava se mexendo tanto, eu sai e vi que já havia amanhecido, e estava em águas calmas. Não sabia onde estava, o rádio, assim como boa parte dos equipamentos estavam danificados, inclusive o motor. Foi sorte o barco continuar navegando, porém estava perdido e não estava muito interessado na sorte.

- Então Pedro, o que fez para sair dali?

Eu olhei profundamente para aquela pessoa, eu sentia uma ironia no seu tom de voz, mas ao mesmo tempo um grande mistério. Estava me achando um verdadeiro idiota, relatando o que ele já sabia, mas como? Arrisquei saber a verdade e perguntei:

“- Olha mister M, eu estou cansado desse interrogatório, e queria fazer uma pergunta para você. Por um acaso, eu estaria...?

- Você não está morto Pedro, não se preocupe com isso, e além do mais você tem um humor fantástico.

Estava ali mais uma vez, sentindo uma agradável sensação de bem estar. Os risos do sujeito eram sinceros e ecoavam por todo o ambiente. Ele olhou para mim, e abaixou levemente a cabeça indicando que eu deveria continuar meu relato, que mais parecia minha biografia.

“Eu estava a deriva, mas não como eu queria, estava sem rádio, e não tinha como saber a minha posição. Os motores da Traineira não funcionavam mais, acabava nesse momento a crença de ser filho de Iemanjá.

Tentei consertar o rádio, mas não entendo nada de eletrônica, sabe quando você tenta consertar algo, abre o equipamento eletrônico, olha aquela quantidade enorme de circuitos inidentificáveis, coloca um dedo em um, em outro, vê que jamais irá fazer aquilo funcionar, mas mesmo assim, fecha o equipamento e liga ele na esperança de que seu dedo seja mágico e que tudo funcione como antes? Foi o que eu fiz, mas não adiantou nada, como era de se esperar.

A noite mais uma vez chegou, o estoque da água potável daria para mais um ou dois dias, e nem sinal de meu pai. Estava deitado na cabine, quando escutei o rádio fazer um chiado, me assustei a principio, e logo depois saí correndo em direção ao mesmo. O ruído era muito alto, mas mesmo assim consegui ouvir algumas palavras. A pessoa dizia algo como: - ...bem ... não... assim... esqueça... eu...amo... .

Fiquei parado ouvindo esses pedaços de palavras que se repetiam inúmeras vezes, tentei me comunicar mas era em vão, estava recebendo aquele sinal em meu rádio, sem que ele ao menos estivesse funcionando. E pior, desligado das baterias. Acreditava ser meu pai, me dizendo que estava bem, e para não esquecer que me amava muito.

- É Pedro, o que o rádio dizia era: Tudo bem? O homem não é assim, esqueça o seu amor.

- Como você sabe?

- Porque foi nós que mandamos essa mensagem.

“O que? Mas por que, e como?”

- Existem muitas coisas entre o céu e a terra, coisas que poucos homens terão a chance de saber. Você foi o primeiro, e é por isso que nos orgulhamos tanto de você. Continue sue história, pois esse foi só o começo da sua descoberta.

“Passei a noite acordado, escutando a mensagem do rádio, estava sentado, e a certa altura, meus ouvidos foram deixando de similar os sons, e fui entrando em alfa, comecei a pensar em minha vida, e nas pessoas que fizeram parte da mesma. Percebi que Lara Volmer não me amava, mas mesmo assim ainda sentia um imenso amor por ela. Notei também no carinho que tinha pelos meus amigos, e até pelos meus inimigos. Não tinha raiva de ninguém, a não ser de mim mesmo. Olhei para o céu e já estava amanhecendo, uma gaivota veio me saudar, e fiquei olhando para ela, voando ao meu redor, sem sequer notar que estava numa bacia, só percebi ao meu barco encalhar num banco de areia. Olhei ao meu redor, e o lugar era lindo, mais do que isso, ele era o paraíso.

Desci do barco e fui até a praia, um rio desembocava perto de onde estava, e fui até lá beber da mais pura água. Peguei a maior quantidade de frutas que podia, e fui abastecendo o barco, já estava pronto para colocar o barco à deriva e rezar para a corrente me levar ao encontro de meu pai, mas algo me prendia naquela ilha, uma força estranha, um sentimento diferente. Voltei para pegar mais mantimentos, mesmo sabendo que não tinha razão para mais. Entrei mais uma vez no coração da ilha, pela mesma trilha que tinha ido anteriormente. Por alguma razão inexplicável meu pai estava deitado no meio da mesma, morto. Olhei aquele corpo que abraçara milhares de vezes e não tive dúvidas, era ele. Corri em prantos, e uma mistura de tristeza e alívio tomaram conta de meu corpo. Abracei meu pai, o beijei e disse: Você terá um enterro digno de um herói. Em seu bolso uma carta:

“Querido filho,

sei que irás me achar, e terá muita dor em seu peito. Mas olhe, eu morri como sempre quis, junto a Iemanjá. Estou escrevendo pois sei que irei morrer logo, as ondas estão imensas e meu combustível só dá para mais meia hora de navegação, quando desligar estarei assinando meu óbito. Estou orgulhoso de você meu filho, você não teve medo da conquista e ela irá sempre estar com você. Infelizmente essa traineira não será sua, será de Iemanjá, mas sem que ninguém soubesse, eu juntei o dinheiro que mandava para nós, e coloquei dentro de uma caixinha em baixo do assoalho de nossa cabana. O dinheiro é suficiente para você comprar uma nova embarcação, e quero que faça isso. Estou escutando um motor falhar, o outro já desligou. Não há mais tempo.

Te amo muito Pedro.

Mande lembranças a sua mãe, eu a amo tanto quanto amo você.”

Após lê-la estava me sentindo melhor. Fiquei abraçado com meu pai durante alguns minutos, conversando com ele, e agradecendo seu amor. Coloquei-o em meu ombro, e o levei até o barco que nos aguardava no banco de areia. Não podia demorar muito, pois logo a maré subiria e o barco estaria livre para seguir seu curso.

Capítulo 2

- Bem Pedro, agora acredito que sua mente e espírito estão pontos para saberem da verdade. Vou te fazer algumas perguntas, e aos poucos saberá o que aconteceu com você. Aonde você está?

Ele sabia que eu não iria saber responder esta pergunta, afinal eu queria saber onde estava desde o começo, mas respondi:

- Não sei onde estou?

- Você não sabe por uma única razão, você não está, você é.

- Como assim?

- Você é o lugar Pedro, faz parte de tudo que te rodeia, assim como nós somos também o lugar. Entenderá isso mais a frente. Vamos para a segunda pergunta. Até onde você se recorda da sua vida?

- Bem, depois que achei o corpo de meu pai, a maré me levou para próximo da colônia, onde dois amigos pescadores me procuravam, depois enterramos ele dignamente, e comprei o barco que meu pai me pedira. Fiquei assim uns dois anos até chegar aqui.

- A verdade, Pedro, você viveu até seus setenta e oito anos, teve dois filhos e ensinou-lhes muitas coisas, foi um pai digno e um marido exemplar.

Comecei achar que se tratava de alguma piada, não fazia sentido o que ele me falava, mas o que quer que pensasse ele ouvia, não sei como, mas ouvia.

- Não é piada Pedro, logo saberá isso e muito mais. Enquanto a eu escutar o que pensa, você também pode fazer isso, só não escuta nada, pois estou falando tudo o que penso nesse momento.

- Mas então o que eu faço aqui, como pode me convencer que eu vivi setenta e oito anos?

- Parece que chegou a minha vez de falar.Na noite em que estava no mar, você estava próximo ao limite do homem, ninguém nunca o ultrapassou, e achávamos impossível que isso ocorresse. Você cultivava um sentimento puro pela pesca, pelo barco, por sua mãe, por seus amigos e pelos desconhecidos, alguns o poderiam chamar de amor, mas estava acima disso, pois era o verdadeiro amor, um sentimento divino, que não é dado aos mortais, na teoria eles poderiam alcança-lo, mas na prática ninguém ainda o havia conseguido. Nessa noite você estava rodeado por esse sentimento, parecia que a visão do mar lhe dava prazer, sua respiração, seu corpo, seus pensamentos estavam numa comunhão dessa energia divina. Você se sentiu leve, e foi envolvido por uma paz nunca antes sentida. Tudo que você queria era estar ali, vivendo cada segundo e amando tudo e todos. Mas o mundo Pedro,não te pertencia mais, e você deixou de existir, mas não morreu, você não poderia viver em uma matéria, em um corpo, e se dividiu, se tornando energia pura, vindo diretamente para este mundo. Seu corpo continuou a curta existência de algumas horas para nós, mas para os homens quase meio século. Quando estava adormecido, já aqui, ainda tinha uma ligação com seu corpo físico, mas era só em sua energia, não vivendo carnalmente como todos os outros. Você teve a dádiva de escapar de algo que na prática é inescapável, a morte. Não tem idéia da importância que é ter você aqui, Pedro, você é a esperança do mundo, e esperamos que como você outros venham para nosso mundo.

- Mas porque não vim antes, ou depois?

- Porque a relação de tempo e espaço aqui é totalmente diferente do seu antigo mundo. Você já tinha o sentimento puro do amor em seu coração, só faltava amar mais você mesmo, e conseguiu isso ao encontrar seu pai. Esses dois anos que se passaram na sua vida, foram alguns minutos para nós. Aqui tudo se passa na velocidade de um pensamento, você se comunica assim e vive assim também. Somos fontes de inspiração para inúmeras pessoas que tem a sensibilidade de captar os pensamentos. Porém a única coisa que não conseguíamos inspirar, era o amor verdadeiro nas pessoas, pois o livre arbítrio, era nosso maior inimigo. Você foi o primeiro.

Capitulo 3

“A eternidade vos saúda, e serás um professor para todos nós. Sabes como nenhum de nós o que tentamos descobrir em anos, o que é viver com o livre arbítrio, e como seguir o coração”

Essas palavras entraram em meu pensamento como se alguém falasse do meu lado, mas não se via ninguém, estava ainda me adaptando àquela situação.

- Ouça Pedro. Estão te saudando, e quando quiser falar com qualquer um de nós, apenas pense, iremos captar seus pensamentos aonde quer que estejamos, assim como você poderá captar os nossos. Todos nós fomos criados assim como somos hoje, não tivemos escolha, ou merecimento por estar aqui ao contrário de você. Você reacendeu a chama de esperança de que podemos mudar o mundo, e hoje começa uma nova era.

A cada palavra daquele ser, eu me sentia mais confiante e mais calmo, e teria ainda milhares de perguntas para serem feitas, e comecei a pensar em todas. A cada pensamento respostas vinham de qualquer lugar que apenas a minha mente conseguia captar.

“Você não reconhece a gente, nem o lugar, pois não quer que isto ocorra”.

“A forma pensamento é única, você pode ir aonde quiser e estar com quem quiser, basta pensar”.

“A eternidade que alcançou é uma benção, agora poderá se comunicar com qualquer ser espiritual, basta direcionar seus pensamentos para aquele que quiser”.

“Sua família já está na terceira geração após você, sua adaptação aqui, está sendo lenta para seu mundo, mas rápida em relação ao nosso”.

“Você pode fazer o que quiser, ainda possui o livre arbítrio que jamais será tirado de você”.

“A ajuda que precisamos está em seus pensamentos e não em suas ações, compartilhe seus conhecimentos conosco, e principalmente suas emoções”.

Pronto, todas as minhas perguntas haviam sido respondidas em frações de segundos. Minha mente era bombardeada por respostas na mesma velocidade do que eu pensava, e o incrível disso tudo, eu entendi perfeitamente todas elas. Sabia que havia chegado a hora de ajudar aquelas criaturas que ha tanto tempo nos ajudou. E fui ensinando e explicando o funcionamento do homem, seus pensamentos em relação ao seus sentimentos. E eles eram muito gratos por isso.

Capítulo 4

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